sábado, 18 de abril de 2009

"Trago a pessoa amada em dois dias"

Os postes das ruas do subúrbio do Rio de Janeiro apresentam uma característica interessante: são considerados por pais e mães-de-santo o lugar ideal para o anúncio de seus serviços, que consistem em jogo de búzios e cartas a 5 reais e em “amarrações”, como são chamados os feitiços feitos com o intuito de manter a pessoa que se ama a seu lado, tornado-a cega para qualquer outra, ou trazê-la de volta, caso o relacionamento tenha terminado.A julgar pela forma como são anunciadas, as amarrações são infalíveis. Pais e mães-de-santo prometem: trago seu amor de volta; trago seu amor gamado;trago seu amor em dois dias. Dois dias?? Qualquer pessoa com um pouco de memória há de lembrar que antes o prazo oferecido era de três dias, e não de dois. Há, ainda, um anúncio que promete: trago seu amor rastejando imediato, o que deixa margem para que cogitemos um prazo ainda menor que dois dias. Estariam as entidades afrobrasileiras mais eficientes ou a concorrência no ramo teria forçado o oferecimento de prazos cada vez menores?

Além dos prazos curtíssimos necessários para que os feitiços façam efeito, outra característica que chama atenção nestes anúncios é que não se promete apenas o retorno do grande amor. Garante-se que a pessoa volta gamada e rastejando - detalhe importante, afinal, nada mais desagradável do que ter alguém ao nosso lado com a cabeça no mundo da lua e completamente descomprometido com a relação. Se além de gamado puder voltar capacho, melhor ainda.

Sem entrar na questão da eficiência destes feitiços, uma coisa é inegável: as amarrações estão presentes no imaginário popular, e a literatura brasileira está aí para comprovar.

Recentemente, reli o livro Agosto, talvez o mais famoso romance policial de Rubem Fonseca. Neste romance, a personagem Salete, amante de uma figura da política, é na verdade apaixonada pelo comissário Mattos, com quem também mantém um relacionamento. Sofrendo com a indiferença com que Mattos a trata, Salete recorre aos serviços de mãe Ingrácia, esperando que “por efeito da magia negra da velha macumbeira, tão logo entrasse no apartamento de Mattos o comissário a pegaria entre os braços e, depois de um beijo ardente, a pediria em casamento.” (p. 81) O resultado foi decepcionante. Mattos abre a porta e a única coisa que faz é se queixar de sua dor de estômago. Inconformada, Salete retorna ao terreiro e ouve a seguinte explicação: “Quando a cueca do homem não faz efeito só existe uma coisa que dá resultado. [...] Uma casquinha de ferida. Você tem que me arranjar uma casquinha de ferida do homem.” (p.88)

Rubem Fonseca fornece uma informação importante. Antes de ir a um terreiro, é preciso providenciar uma peça de roupa da pessoa amada, de preferência uma cueca. Fotografia também serve. O poder mágico das fotografias é bem antigo, e se hoje ninguém evita ser fotografado por medo da alma ser capturada pela câmera, ainda acredita-se que a imagem impressa de uma pessoa é capaz de substituir sua presença. Passando da literatura à vida real, minha amiga Camila namorava um rapaz estrangeiro e sua mãe o alertou para que ele jamais lhe desse uma fotografia pois, segundo ela, as mulheres brasileiras tem o costume de fazer macumba para segurar os homens. Minha amiga, que nem “macumbeira” é, virou suspeita aos olhos da sogrinha pelo simples fato de ser brasileira. Mas, por que falar apenas das religiões afrobrasileiras? No programa Fala que eu te escuto, os pastores da Igreja Universal do Reino de Deus anunciam o Domingo da transformação da família da água para o vinho, garantindo que basta ter fé e orar a Deus para que os maridos larguem suas amantes, deixem de beber e passem a tratar as esposas com carinho, ao invés de agredi-las. Como é bem difícil convencer um marido arredio a ir ao culto, os pastores aconselham que as esposas levem uma fotografia ou peça de roupa dele. Como se vê, religiões que nada tem a ver com os cultos afrobrasileiros também solicitam peças de roupa e fotografias, considerando que estes elementos são capazes de potencializar as orações.

Minha tia também já advertiu meu primo para ter cuidado. Ela o aconselhava que evitasse comer qualquer coisa que lhe fosse oferecida na casa de uma certa namorada pois, como ela freqüentava a umbanda, era bem capaz de dar algo “preparado” para ele comer. Segundo alguns, feitiços ingeridos são dificílimos de serem desfeitos – mas facílimos de serem feitos. Um exemplo bastante conhecido é usar como coador de café uma calcinha que se vestiu por três dias seguidos. Meu ex-noivo, pessoa totalmente avessa a simpatias e descrente da existência do mundo espiritual, fazia piada com um amigo que era muito apaixonado, dizendo: “cara, você só pode ter tomado café coado na calcinha.”

Cueca, fotografia, casca de ferida, alimentos preparados ... afinal, quais são os ingredientes necessários para se fazer uma amarração? A julgar por um anúncio que vi recentemente, atestando existir 21 tipos de amarração, estes ingredientes podem ser os mais variados. Maçãs, mel, velas vermelhas e açúcar são elementos obrigatórios. Há também corações esculpidos em cera, no interior do qual se deve colocar o nome do casal escrito em um papelzinho. Já a miniatura de um casal esculpida em cera pode ser usada tanto para separar um casal quanto para uni-lo mas, quando se trata de separação, a vela utilizada no procedimento não é vermelha, e sim preta. Entrando no terreno do repugnante, há casos em que esses elementos não são suficientes. Se a pessoa está no caminho da outra, o termo usado nem é feitiço, e sim “encantamento”. Mas se ela não está, é preciso recorrer a métodos mais radicais, como matar uma galinha, retirar seu coração ainda batendo e dentro dele colocar um papel com o nome das duas pessoas que se pretende que venham a formar um casal. Ou então, espremer o absorvente para retirar o sangue da menstruação e injetar em algum alimento que o outro vá comer.

Acredito que alguém que consiga a pessoa amada por esses meios não deve se sentir plenamente satisfeita, vivendo assombrada pela certeza de que, se fosse espontaneamente, a outra pessoa talvez não estivesse com ela. Eu mesma já passei por algo semelhante quando meu noivado com André, que parecia tão estável, terminou do dia para na noite sem que eu tivesse percebido qualquer sinal de crise. Naquela época, eu não era frequentadora da umbanda (e ainda hoje só frequento esporadicamente) e, portanto, não recorri às amarrações. Mas fiz muitas coisas, das quais hoje me envergonho, para reatar o relacionamento: emails com declarações de amor, cartões virtuais, cartas com corações desenhados, ajuda do ex-cunhado e uma travessa de brigadeiros, o doce favorito do meu ex-noivo. Além de tudo, recorri ao mundo espiritual à maneira dos católicos, fazendo uma trezena a Santo Antonio. Oficialmente, católicos não fazem amarrações, mas nem por isso estão desamparados em seus problemas amorosos, pois há o casamenteiro Santo Antonio para escutar as preces dos que tem o coração partido. O que consegui com tudo isso? Vencê-lo pelo cansaço. André voltou a se relacionar comigo, eu voltei a dormir em sua casa nos fins de semana e feriados, mas após a euforia inicial bateu um tremendo arrependimento, pois como ele não voltou espontaneamente, eu sempre achava que estava comigo contra a vontade. Um ou dois anos depois, nosso noivado terminou de vez, por iniciativa minha, que já estava apaixonada pelo Alan. É claro que ocultei esse fato e usei uma desculpa qualquer para terminar. Enfim, eu só consegui uma sobrevida para um relacionamento que já tinha acabado, mas eu não queria aceitar.


Não vou dizer que nunca pensei em recorrer a um feitiço. Fui criada na religião católica, fiz primeira comunhão como manda o figurino, mas fugi da Crisma. Hoje, sou uma pessoa bem confusa em termos religiosos. Já frequentei reuniões kardecistas, nas quais recebi psicografias de legitimidade incontestável, vou à missa de vez em quando, assisto Fala que eu te escuto quando estou com insônia e no dia de São Jorge vou à festa de Ogum em um terreiro de umbanda. Certa vez, em dia de consulta, Zé Malandro da Estrada me viu sofrendo muito pelo Alan e se propôs a ajudar em algo que nem era da sua alçada, já que os problemas de amor devem ser levados às Pombogiras. Apesar de afirmar categoricamente que eu iria me arrepender, porque Alan não prestava, Zé Malandro ditou alguns ingredientes para que eu fizesse um feitiço eficientíssimo, eu anotei tudo, guardei o papel e fiquei de pensar se fazia ou não. Acabei sendo assaltada uma semana depois e lá se foi o papel junto com a bolsa.


Por que hesitei em fazer o feitiço? Primeiro, porque aprendi a lição de que estar com alguém só é bom se for espontaneamente; segundo, porque tive a oportunidade de observar muitas mulheres que, embora tivessem conseguido segurar o marido através de feitiços, nem sempre conseguiam afastá-lo das amantes, e voltavam pedindo ajuda novamente. Assim, gastavam dinheiro e energia em algo que não trazia o retorno esperado. Isso prova que, se o relacionamento já está de fato destruído, nem a ajuda do mundo espiritual dá jeito.

Acreditar ou não na eficiência das amarrações? É moralmente aceitável recorrer a elas? Pais e mães-de-santo que anunciam seus serviços nos postes são honestos ou charlatões? É digno alguém colocar sua mediunidade a serviço dos caprichos mais egoístas do ser humano? São muitas as questões que esse tema suscita e quem é umbandista por amor geralmente condena tais procedimentos(http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=1171613&tid=5321656696909098833).
O tema é sem dúvida polêmico, mas uma coisa é certa: só há quem se diga capaz de entrar em contato com o mundo espiritual, fazendo da solução de problemas amorosos sua profissão, porque há quem acredite que espíritos podem voltar à Terra para ajudar pessoas que sequer conheceram em vida. Isso revela que um dos maiores dramas do ser humano é saber lidar com a rejeição, e só o fato de encontrar quem se disponibilize a comprar sua briga, ainda que seja no mundo espiritual, já é um conforto para quem sofre por amor.

2 comentários:

  1. "Estariam as entidades afrobrasileiras mais eficientes ou a concorrência no ramo teria forçado o oferecimento de prazos cada vez menores?"
    hehehehe....

    Muito boa crônica!
    Lendo me fez lembrar que minha mãe, católica fervorosa, também se preocupava com o que eu comia na casa da ex-mulher (agora ex-ex) do meu pai: "Não aceite nada que ela te ofereça", "você está mal no colégio porque a Maria te deu aquele bolinho".

    Bom, no fundo é tudo amor.

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  2. Interessante descobrir detalhes que eu ainda não sabia...
    Ah, muito bem escrito!

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