quinta-feira, 30 de abril de 2009

A falácia do instinto de propagação dos genes


Lúcia não tem nenhuma dessas características, mas Alan prefere ela.

PINHEIRO, Daniela. O que torna você sexy? Veja, 21 jan de 2004. p.78 (Não, a revista Veja não serve só como papel higiênico. De vez em quando sai alguma coisa interessante.)

Segundo os cientistas, escolhemos nosso parceiro norteados pelo instinto de propagação dos genes. Instintivamente, levamos em conta algumas características que seriam evidência de saúde, de capacidade reprodutora e de condições de manutenção da prole. Assim, homens observam a cintura e os quadris das mulheres; as mulheres, por sua vez, observam a altura e o porte físico dos homens, preferindo aqueles com traços mais rústicos e menos delicados.

Será que a escolha do parceiro é puramente biológica? Definitivamente não. Se assim fosse, Alan não teria preferido a esposa a mim. Lúcia é bem mais velha que ele, não pode mais ter filhos, é tão magra que parece um cadáver, não tem seios nem quadris proeminentes, usa cabelo curto no estilo masculino e em seu rosto destacam-se as olheiras e o buço. Em resumo: Lúcia é feia, horrorosa. Os dois formam um casal tão desarmônico do ponto de vista estético que quem os observa é inevitavelmente levado a se questionar: “como ele consegue sentir tesão por ela?”

O fato é que acredito sinceramente que ele sinta tesão por ela. Como todo homem casado, ele me dizia que não, dizia que não conseguia transar com ela e que enrolava para fazer sexo oral. Já comigo, tudo era diferente. Ele me achava linda, toda hora queria me fotografar, dizia que eu era perfeita transando e que evitava olhar pra mim no trabalho, porque ficava excitado com facilidade. Não que eu me ache linda, mas diante de Lúcia, qualquer uma é mais bonita. O fato é que nem o instinto de propagação dos genes jogou a meu favor – ele chegou a fantasiar um pos
sível filho comigo, mas só fantasiou. Hoje em dia, estou sozinha, e Alan continua com a Lúcia.

Por que ele não optou por mim? Como pude ser tão incompetente a ponto de não conseguir tirar o Alan daquela mulher? Competição imbecil. Minhas características biológicas não falaram mais alto que os hábitos consolidados de um casamento que já dura mais de dez anos. Alan construiu a casinha que eles moram e colocou tudo de seu jeito. Ele pintou as paredes de verde, cuida de um aquário enorme, comprou móveis de qualidade excelente e equipou a casa com os mais modernos eletrodomésticos. Alan cria a enteada como filha e a ama profundamente. Alan se acostumou a ser tratado como banco e não se importa em abrir a carteira para satisfazer as futilidades das duas. Lúcia cozinha pra ele, lava sua roupa e passa suas blusas de botão de forma irrepreensível. Há coisas negativas, é claro. Ele é policiado constantemente, seu celular toca de cinco em cinco minutos e ele tem que lhe dar satisfações de cada passo que dá. Mas ele é feliz assim, por mais que diga o contrário. Ele adora o casamento, a família que construiu e acha o máximo ser motivo de ciúme.

Há quem argumente que se um casamento é feliz, a traição não acontece, que o homem só arruma amante quando as coisas não vão bem. Não acredito nisso. Pelo menos no meu caso, o que aconteceu é que Alan queria um pouco de emoção e precisava se sentir desejado por uma mulher mais nova. Satisfeitos esses desejos, pronto! Era só voltar para a rotina de antes e fingir que nada acontecera. Começar uma vida do zero era algo que não estava nos seus planos.

Pensando bem, Alan também não reúne as características ideais... mas mesmo assim me apaixonei por ele. (clique no quadro para vê-lo grande)
Sexo: Como nossos ancestrais. Veja, 23 de julho de 2003.

2 comentários:

  1. Biologicamente, o instinto tem por fim a reprodução humana; psicanaliticamente, o foco na manutenção da espécie é substituído pela centralização na questão do prazer e aí agimos pela vontade e decisões próprias, racionalizamos nossas escolhas.

    Acredito que o ser humano evoluiu ao ponto de não procurar mais parceiros com base em atributos físicos gerais, entendo que basicamente cada indivíduo consegue desenvolver o seu modelo, formado por experiências vividas, determinados gostos herdados ou não.

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