sábado, 25 de abril de 2009

Estupro consentido por sete meses seguidos

Ao conceituar “fato social”, Émile Durkheim dizia que, para que uma pessoa se sinta punida, basta uma palavra, um deboche, uma indiferença, não sendo necessário o uso da força. Do mesmo modo, para que alguém se sinta forçado a adotar determinada atitude, não é preciso que esteja sendo ameaçado. Foi assim que me senti nos sete meses em que me relacionei com o Mauro. Ninguém apontou uma arma para a minha cabeça, mas me senti obrigada a ficar com ele. Foi uma das maiores violências que fiz contra mim mesma.

Mauro não bebia, não fumava, não tinha ex-mulher nem problemas psicológicos. Era sério, tinha uma família extremamente estruturada, era carinhoso e atencioso, estava sempre disponível quando eu precisava e aceitava de bom grado ir aos lugares que eu sugeria, não dando mostras de que estava ali forçado. Minha mãe, minha amiga Letícia, entidades afrobrasileiras e até o Alan me diziam para investir naquela relação. Cada vez que eu recuava e pensava em terminar tudo, era acusada de não estar me esforçando para esquecer meu ex.

Assim, à semelhança das mulheres de antigamente, que se casavam esperando que o amor viesse com o tempo, tentei gostar do Mauro. Sim, realmente tentei, tentei me divertir e me sentir feliz. Se precisasse apenas sair, estaria tudo certo. O problema é que também precisava transar. Afinal, ele não saía comigo para admirar obras de arte de artistas anônimos a troco de nada. Estava implícito que a moeda de troca era o sexo.

Por sete meses, me dirigi inúmeras vezes ao quarto de motel como se estivesse entrando em uma cela de tortura. Eu não sentia absolutamente nada por aquela pessoa, apenas repudiava aqueles movimentos bruscos, que rasgavam as camisinhas mais simples, aquela pele branca demais e aquele suor nojento. As relações eram demasiadamente longas, e várias vezes me peguei rezando para que acabassem logo. Quando tudo acabava, minha sensação de missão cumprida era tão forte que eu começava a sorrir, a falar sem parar e a andar quase flutuando. Muito provavelmente, ele interpretava esse meu comportamento como uma prova incontestável de que eu adorava transar com ele.

Eu não pensava no Alan quando transava com Mauro. Acho que os homens conseguem imaginar a bunda de uma mulher que sai nua na Playboy quando transam com uma pessoa desagradável, mas para as mulheres a coisa é um pouco diferente. Eu não conseguia imaginar outra pessoa, nem mesmo o Alan. Ás vezes, quando acabava a primeira transa (sim, porque ele queria três), eu ia para o banheiro e chorava. Voltava, deitava na cama deprimida e apenas alegava estar cansada. Ele nunca desconfiou o que se passava dentro de mim.

Já no sétimo mês, eu fiquei uma semana impossibilitada de sair de casa, mantendo contato com ele apenas via internet. Até pensei em continuar na relação, mas cada vez que ele apenas sugeria estar a fim de transar, eu sentia pânico. Houve um domingo em que acordei péssima, com tanta repulsa, que contei pra minha mãe o que sentia, passei o dia todo deitada chorando em desespero. Ela ficou assustada e tirou o corpo fora, dizendo que nunca tinha me estimulado a ficar com ele. Foi então que decidi terminar tudo.

Aos 16 anos, eu havia prometido para mim mesma que nunca mais ia ficar com alguém que eu não gostasse, pois tinha acabado de sair de uma relação na qual só quem amava era o meu namorado. Aos 25, eu parecia ter esquecido essa promessa. Ao menos naquela época eu ainda não transava, mas mesmo assim me sentia violentada tendo que aturar aquela companhia. Hoje, enfrento a solidão, não por me sentir capaz de ser só, mas por ser incapaz de me permitir ser violentada novamente.

7 comentários:

  1. Adorei a foto.
    Não posso imaginar como foram esses meses, todo mundo dando a maior força pensando que seria o melhor a ser feito e você sofrendo dessa maneira.
    Lendo, lembrei de um depoimento de uma vítima de estupro e dá para notar algumas semelhanças emocionais: “O dedo doía, o pescoço, o corpo todo. Mas a dor maior era interior (...) Não o perdoei, mas não desejo mal a ele. O que sinto é desprezo e nojo (...) Acho que fiquei mais madura, mais sensível”.

    Sem falar do seu caso, o sexo é mesmo uma moeda de troca para nós hoje em dia. Antigamente a mulher era cortejada por muito tempo, porque havia respeito pela sua condição. Hoje, somos todas obrigadas a transar para mostrar interesse, por sermos modernas e livres, isso já é uma imposição social. Os homens nos divertem para serem “divertidos” depois – no mesmo dia. Veja bem, eu não sou contra o sexo, é muito bom e eu gosto, mas sim contra esse compromisso estabelecido há 40 anos que nos joga nessa clausura imoral.

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  2. Roberta, perfeito o que você disse. A mulher passou da condição de ter sua sexualidade reprimida à obrigação de manter relações sexuais, sob pena de ser vista como um ser anacrônico. Além disso, mesmo quando se trata de um namoro com sentimentos, sempre tem aquele dia em que a vontade de transar passa longe...mas, o que fazer? Dizer que não tá a fim e ter que aturar o cara o dia inteiro questionando o porquê, imaginando que não o amamos mais, que temos outro, que vamos terminar a relação... enfim, transar sem vontade também nos poupa de muitos aborrecimentos. Mas só prejudica a nós mesmas.

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  3. Ladies, há controvérsias! Não sou solteiro, mas nunca achei que uma mulher deveria transar comigo para continuar interessado nela ou para que ela fosse "moderna" (ou seria "pós-moderna"). Dependendo do caso, acho que pode até aumentar o interesse.

    E, sobre a vontade de transar, além de cada namorado/a ser um caso (na questão da compreensão), homens também podem ficar sem vontade. Ou vocês acreditam nessa história que os homens querem transar 24h por dia?

    Ah, e dizer para uma mulher que você não está a fim de transar com ela traz muitos mais problemas do que um simples "dia inteiro questionando o porquê, imaginando que não o amamos mais, etc...". Ou estou errado?

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  4. Que bom que temos uma visão masculina por aqui. Muito interessante este ponto de vista.

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  5. O triste é saber que muitas mulheres transformam estes sete meses no resto de suas vidas. Abraço.

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  6. Milena, sou da mesma opnião do Douglas!!!
    Sou muito preocupado com questão: será que não stou apenas me satisfazendo, e deixando minha parceira fazer apenas para me satisfazer? Creio que seria bom que todo homem se fizesse essa pergunta, mas infelizmente a maioria não é assim.
    É como diz um amigo meu: "no sexo a mulher já começa com 2x0 a favor, pois, ela pode fingir um orgasmo e transar quantas vezes o homem querer, e ele não".

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  7. Só quem já viveu isso sabe o inferno que é.

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