sábado, 11 de abril de 2009

Blusas de botão

Nenhuma peça do vestuário masculino é tão controversa quanto a blusa de botão. Se for quadriculada, colocada para dentro da calça e o cinto for usado como acessório, não há dúvida: é horrível. Por outro lado, há pessoas na qual esse tipo de blusa fica muito bem, mas tão somente se não for colocada para dentro da calça. Em geral assenta bem em homens mais velhos.
Não era, seguramente, o caso de Alan. Quando o conheci, o achei super jovem, achei que tinha no máximo 28 anos. Logo fiquei sabendo que, na verdade, Alan tinha trinta e poucos, o quem vem a confirmar minha total inaptidão para atribuir idade às pessoas. Aquela pergunta “quantos anos você me dá?”, que às vezes surge no meio de uma conversa, sempre me foi bastante constrangedora, me obrigando a dizer uma idade muito menor do que me parecia, por medo de atribuir uma muito maior e acabar desagradando a pessoa.
Pois bem, a princípio achei que Alan tinha no máximo 28 anos, e só vim a me apaixonar por ele um tempo depois de conhecê-lo. Na ocasião em que meu cérebro reagiu animadamente à sua figura, estava frio, e ele usava um casaco laranja, revelando seu gosto por cores cítricas. Ele estava absolutamente lindo e, como eu era uma novidade naquele ambiente de trabalho, ele também se interessou por mim e fez questão de puxar conversa. No dia seguinte, ele estava todo animadinho, mas o vestuário era um horror: blusa de botão azul quadriculada, de manga comprida, pra dentro da calça bege e de cinto. No mesmo dia, descrevi esse vestuário para minha amiga e arrematei a descrição com a seguinte pergunta: “como pude me apaixonar por uma pessoa que se veste desse jeito?”
Logo fiquei conhecendo o variado guarda-roupa de Alan. Felizmente, este não era composto apenas de blusas de botão, mas de blusas mais modernas e joviais, geralmente verdes. Certa vez ele, que não estava nos seus melhores dias, foi trabalhar com uma simples blusa branca sem detalhes, calça jeans e tênis. Fiquei tão feliz por vê-lo vestido assim que o elogiei entusiasmadamente. Mas ocasiões como essa eram raras. Sempre reclamei de suas blusas de botão e pedia que ele pelo menos as usasse para fora da calça, mas nunca fui atendida. Havia uma particularmente horrorosa, quadriculada e roxa, ele sempre me pareceu pálido naquela blusa, mas provavelmente a palidez era coisa da minha cabeça, pois sua cor indígena é tão marcante que acho que ele nunca empalideceu, nem mesmo em caso de doença.
O fato é que as blusas de botão, sempre pra dentro da calça, acompanharam todo o nosso curto relacionamento, jamais me impedindo de me apaixonar cada dia mais por aquele ser. No primeiro beijo, era uma blusa rosa quadriculada, em tom pastel, e essa blusa até achei bonita. No entanto, esse vestuário não era apenas feio, mas bastante inconveniente, pois ele sempre voltava amassado para casa e talvez essa tenha sido a primeira evidência que levou Lúcia a desconfiar, para logo ter certeza, de que ele a traía.
Alan também não gostava das minhas roupas, chegando mesmo a dizer que eu me vestia como uma suburbana. Achei aviltante que ele, também um suburbano, usasse esse termo como sinônimo de coisa ruim. Certa vez ele criticou minhas calças de cintura baixa e minhas blusas de alça, que sempre deixavam a mostra um pouco da barriga. Como viu que fiquei chateada, tentou consertar, elogiando minha sandália logo em seguida.
Infelizmente, logo passou a fase em que Alan tentava consertar as coisas que falava pra mim. Ele não apenas passou a não se importar mais quando me magoava como fez disso seu principal esporte. Tanto é assim que dizia que me amava, mas em nenhuma das cinco vezes em que foi posto pra fora de casa aproveitou a ocasião para assumir nosso relacionamento. Continuava comigo, mas às escondidas, e mal eu virava as costas ele já estava entupindo o celular de Lúcia de mensagens, nas quais implorava para que ela o aceitasse de volta. Tentando se isentar da responsabilidade de estar mantendo uma amante, tentava convencê-la de que a crise que eles estavam passando era “coisa feita”, ou seja, que eu andava lançando mão de feitiçarias, das quais as religiões afro-brasileiras são conhecidas por oferecer, para que seu casamento acabasse.
Uma das vezes em que ele voltou pra casa, para ser expulso novamente no mês seguinte, foi particularmente marcante. Alan foi trabalhar com uma cara tão saudável que logo ficou patente que era o casamento, e não sua relação extraconjugal, que o fazia feliz. Eu estava na porta de uma sala e ele chegou todo falante. Observei logo sua blusa de botão, cuja cor agora não lembro, super bem passada. Estava clara minha inferioridade em relação àquela esposa, pois eu jamais saberia passar roupa com aquela maestria. Naturalmente, aquela era apenas uma evidência de sua competência como dona-de-casa, pois provavelmente também cozinhava bem e mantinha a casa sempre arrumada e limpa. Alan conhecia minha casa e meu desleixo, e obviamente jamais largaria aquela esposa para ficar comigo.
Como Lúcia não o completasse inteiramente apesar de sua aptidão doméstica, continuei sendo amante de Alan. Novamente não fomos discretos o suficiente para que ela não descobrisse que continuávamos juntos e Lúcia, em um acesso de cólera, colocou Alan pra fora, mudou a fechadura da casa e despachou todas as suas coisas em uma Kombi para a casa da mãe dele. Livros, roupas, coleção de carrinhos, nada foi esquecido, o que obrigou a Kombi a fazer umas três viagens. Diante disso, que amante não pensa que chegou a hora de ser a oficial? Comecei a me preocupar em aprender a passar roupa. Pedi a dona Inês, que passava roupa semanalmente aqui em casa, para me ensinar. Ela pegou uma blusa de botão do meu pai e começou a explicar: primeiro a gola, depois estica bem e passa esse lado, depois vira e passa o outro... aquilo me pareceu impossível! Quando eu virasse a blusa, acabaria amassando a parte que já estava passada. Seguramente eu não servia para esposa, e quando não temos essa aptidão, de nada adianta sabermos transar muito bem.
Desesperado com a perspectiva de que seu casamento acabara para sempre, Alan terminou comigo e, tenho que reconhecer, teve uma disciplina incrível para mostrar à Lúcia que tinha mudado. Meses depois, ela o aceitou de volta, e dessa vez ele não mais me manteve como amante.
Meses depois de nosso término definitivo, tive acesso a umas fotos dele publicadas, talvez propositalmente, na Internet. Eram fotos da noite de ano-novo e a seqüência consistia no seguinte: Alan abraçado com a esposa; Alan abraçado com a enteada; Alan beijando a esposa. Ele estava lindo como sempre e tinha engordado – evidência incontestável de um casamento feliz. Usava uma blusa de botão em tom azul pastel, pra dentro da bermuda, felizmente sem cinto. A família se reorganizou, como se Alan jamais tivesse pronunciado a frase de que não amava mais a esposa e como se nenhuma amante tivesse existido. E eu, já não me visto como antes. Bom, as calças continuam de cintura baixa, mas agora tenho a preocupação de não mais deixar a barriga aparecer, escolhendo blusas mais compridas. E naturalmente não posso mais deixar de notar um homem usando uma blusa de botão bem passada, procurando em seguida sua mão esquerda para, invariavelmente, identificar uma aliança. Blusas de botão bem passadas sem dúvida evidenciam casamentos felizes.